Cidadão vai pagar pelo silicone da madame

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Aprovação da proposta que visa regular a cobrança de atendimentos na Fundação Hospitalar de Canelinha, põe em risco a prestação de serviço à saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Projeto está em análise na Câmara de Vereadores, e foi retirado da pauta de votação após polêmicas envolvendo o texto legal. Se aprovada, trará vulnerabilidade ao cidadão e regulamentará uma danosa relação entre o público e privado. Custos vão sobrar para a população, que vai bancar o silicone da madame.

Discussão que tem focado a locação do centro cirúrgico é mais profundo. Vai deixar livre para atendimentos particulares, leitos para pacientes e acompanhantes, refeições individuais, ultrassonografia, raio-x, eletrocardiograma, consultório médico, além de materiais e medicamentos. E nem se fala em estrutura de pessoal. Uma tabela de preços está anexa ao projeto e regula valores que vão de R$ 30 por um eletro à R$ 150 em consulta.

Promiscuidade no serviço público que já existe. Tanto a Fundação Hospitalar de Canelinha quanto outros hospitais da região vem fornecendo procedimentos particulares. Em Canelinha as cirurgias plásticas se tornaram rotina. No ano passado a técnica de enfermagem Lessandra dos Santos, morreu durante um procedimento de abdominoplastia e plástica nos seis na cidade. Ela teve uma parada cardíaca, a equipe médica tentou reanimá-la, mas não foi possível salvar a vida da funcionária. Outras dezenas de plásticas já foram realizadas no local, incluindo de diversos servidores do próprio município.

plastica-rostoE essa já deveria ser uma das preocupações. São cirurgias invasivas realizadas em Hospital que não tem sequer Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para quando houver alguma eventualidade. O segundo ponto, é transformar a estrutura pública em clínica de estética. Essa é mesmo uma função que deveria ser amparada pelo Poder Público? Não deveria focar no atendimento essencial e serviços ao cidadão? Deixar o silicone e a barriguinha fina da madame para as clínicas particulares do litoral ou da capital? Na visão que se consolida agora, parece que não. É uma deturpação das funções do serviço público.

Em decisão que proibiu o antedimento particular em maternidades do Estado, tendo como base uma ação no município de Mafra, o ministro Ricardo Lewandowisk fez uma afirmação que leva a esse ponto. “Atendimento particular em rede pública é duplamente nocivo ao interesse da saúde; de um lado, impede que estes serviços sejam direcionados a quem deles realmente necessita; de outro, torna promíscua a relação entre o poder público e o privado, fazendo com que a estrutura pública seja utilizada pelo setor privado de forma privilegiada, com prejuízo à população usuária do sistema pública de saúde”.

E faltam mecanismos na lei que impeçam os abusos. Situações semelhantes mostram que decisão pode ser desastrosa. Em São João Batista por anos se fazem essas ofertas, principalmente de cesárias com médico particular. Habitualmente acabam marcando os nascimentos para seus horários de plantão, deixando a emergência a ver navios. Esforços já foram realizados para coibir a prática, mas até agora sem efeitos. É sempre danoso quando o público e privado se entrelaçam. O dinheiro sempre vai sobrepor e o melhor atendimento ficará com que tiver condições.

Limitações não são garantias

“Enquanto eu for gestora da Fundação Hospitalar, o Canelinhense terá preferência no antedimento”, disse a diretora do Hospital Marilita Gonçalves. E não há dúvidas disso. Grande questão, no entanto, é que uma lei nesses moldes ficará como herança para a posteridade e deveria forçosamente manter o patamar. Mas, uma observação detalhada do texto mostra que não é bem assim. Poderá ser aplicada e interpretada conforme cada administração.

Outra falácia relacionada ao projeto está na injeção de recursos para manutenção da Fundação Hospitalar. Quem acompanha o dia a dia da gestão financeira dos municípios, já prevê o que deve acontecer. Conforme os recursos oriundos do atendimento particular forem entrando na conta do hospital, o município irá reduzir os repasses. Servirá para equilibrar as contas, principalmente a folha de pagamentos, que sempre está na beira do limite legal. Será dinheiro novo, mas não alterará o quadro financeiro da unidade.

Leitos ociosos não é relevante

Outra discussão colocada em pauta através do Projeto 12 em Canelinha, é a suposta ociosidade de leitos na Fundação Hospitalar. Seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ‘se há mais de 50% de leitos disponíveis como alega o impetrante para justificar a possibilidade de utilização da maternidade para a prestação de serviços privados, é forçoso concluir que essa maternidade pública [ no caso de Mafra ] possui condições de dar atendimento universal, igualitário e gratuito a todas as parturientes que necessitam de atendimento, em perfeita conformidade com a Constituição Federal’.

As semelhanças são gritantes. Neste caso, Canelinha não fornece a oportunidade das gestantes ter seus filhos no município. Grande debate paira em torno de ter ou não um médico obstetra, que com a privatização dos serviços poderá ser fornecido. Mas, de forma particular. Novamente aqui, a prioridade será o pagamento dos procedimentos que vai render divisas para os cofres do Hospital, e alívio para a gestão financeira do município.

Para qual ângulo olhar?

Utilizar unidade pública de saúde para atendimento privado, nesse caso, tem apenas objetivo de permitir que possam cobrar valores elevados pelos serviços prestados, com a garantia de atendimento diferenciado aos pacientes particulares. Todos os protagonistas dessa polêmica já foram ouvidos, e o debate acalorado na Câmara de Vereadores de Canelinha. Projeto foi retirado de pauta na sessão da semana passada, mas deve voltar.

Se aprovado; o que até aqui parece ser o caminho; vai abrir espaço para transformação do Hospital em Clínica Particular, com livre utilização dos bens, equipamentos e serviços oferecidos pelo município. Vai deixar aberta uma “caixa d´pandora”, e que permitirá abusos de todas as formas. O projeto que está em votação pela Câmara tem fragilidades e furos que podem inviabilizar a atendimento público em detrimento do particular.

Além disso, a conta pelos serviços parece sub-calculada, e uma parte vai recair forçosamente no bolso do cidadão. Negócio da China em que por hora no centro cirúrgico será pago R$ 100, ficando toda a estrutura da unidade a disposição do privado. E não para uma cirurgia de catarata, hérnia, úlcera ou hemorroidas. Será um local da população de Canelinha, usado para deixar a madame turbinada e com a cintura mais fina.

*Esse é um texto opinativo e seu conteúdo de responsabilidade do colunista.

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