A segunda-feira, 2 de julho, marca o Dia Nacional do Bombeiro, como forma de homenagear todos os profissionais que trazem na rotina a dedicação para salvar vidas. A cada atendimento, os segundos fazem a diferença e muitas vezes essas pessoas expõem as suas próprias vidas em benefício do outro. Uma profissão com muitos riscos, mas que traz um sentimento unânime a todos os profissionais: amor. O brilho nos olhos ao falar dos atendimentos, operações e rotinas é frequente ao conversar com os integrantes do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina.
“Se eu tivesse que optar de novo, eu optaria por ser bombeiro militar é uma carreira que eu amo, onde eu gosto do que faço e que faço com muito orgulho”, declara o sargento Nildo, que integra a corporação há 28 anos.
“É bastante arriscado, eu sei, já tive medo, em vários momentos a gente tem receio de fazer, mas a minha profissão é o meu lazer também, eu adoro o que eu faço. Eu não vou trabalhar, eu vou fazer uma coisa que eu gosto. Salvar vidas pra mim é um prazer”, declara a cabo Kassandra, 12 anos de profissão.
Atendimentos
Quando uma pessoa abre um chamado para a Central, pelo número 193, e descreve o que acontece, as equipes se preparam para os atendimentos, física, estrutural e psicologicamente. Mas a informação inicial dá apenas uma noção do que espera por eles. Ao chegar em cada ocorrência é que se tem a dimensão da responsabilidade da profissão.
“A ocorrência quando a gente vai é uma caixinha de surpresas, a regulação nos passa uma coisa e quando a gente chega lá, às vezes, é completamente diferente. Não temos certeza do que a gente vai pegar. Uma ocorrência nunca é igual á outra, sempre diferente, por mais que seja a mesma situação”, conta a cabo Kassandra.
Surpresa
A caixinha de surpresas relatada pela cabo Kassandra também se revelou ao cabo Juliano em agosto de 2017. Quando a equipe do helicóptero Arcanjo, em Blumenau, foi acionada para atendimento de um acidente de trânsito, o inesperado aconteceu.
“A equipe do Samu tinha dispensado o nosso apoio, mas como já tínhamos nos deslocado, continuamos verificando a situação, já que eram cinco vítimas. Quando os médicos avisaram que um das vítimas estava em estado mais grave, com aparente fratura no fêmur e hemorragia, nós fomos preparar o helicóptero para levar o paciente ao hospital o mais rápido possível”, relata. “Até aí era a minha rotina, mas eu senti um puxão na farda e o paciente falando: “Ju, sou eu”. E eu não reconheci a vítima, que já estava com os equipamentos para o transporte, cobrindo parte do rosto e questionei: eu quem? E a vítima respondeu: “sou eu, o Rafa”. Quando percebi, a vítima era o meu irmão. Tentei não me abalar, me manter frio para continuar o atendimento e levá-lo, com as outras vítimas, para o hospital”, relembra.
“Eu só pensava no que eu ia dizer à minha mãe, já que era o meu irmão mais novo acidentado”, desabafa.
Um ano depois, com o irmão já recuperado, Juliano confessa que por mais preparados que os profissionais estejam nunca imaginam que vá ser alguém da família no atendimento. “Eu nunca imaginei atender a um familiar, ainda mais que a minha família mora em Lages e eu em Blumenau”, diz.
O cabo Juliano está há 13 anos no Corpo de Bombeiros e trabalha no Batalhão de Operações Aéreas, em Blumenau.
Gratidão
“Eu faço isso todos os dias, mas me deu uma sensação que eu nem sei explicar. Eu queria contar para todo mundo que eu via na rua, eu queria dizer o tempo todo: sabia que hoje eu salvei uma vida? Mas salvei mesmo!”, relembra a cabo Kassandra sobre um dos episódios que mais marcaram a vida dela. Uma mistura de felicidade com gratidão surgiu ao contar sobre o atendimento.
Durante a madrugada, a equipe de plantão foi acionada para combater um incêndio em uma residência, com informações de uma vítima dentro da casa. Ao chegar ao local, as chamas já estavam altas e praticamente tudo tomado pelo fogo. Ao combater parte do incêndio a equipe conseguiu chegar na cozinha, local que ainda não estava completamente em chamas e assim resgataram um senhor, já com muitas queimaduras e que gritava no local.
“A gente entregou o senhor para equipe da ambulância, terminou de combater o fogo e nos abraçamos felizes, porque nunca nenhum dos integrantes da nossa guarnição tinha vivido uma situação assim”, afirma.
Esposa, dona de casa, com três filhos, a cabo Kassandra trabalha desde 2008 na equipe de atendimento, muitas vezes dirigindo a ambulância de Auto Socorro de Urgência (ASU) e faz parte da corporação há 12 anos.
Confiança
“Não tenha dúvida que é uma honra poder trabalhar na corporação, tanto é que o nome é Corpo de Bombeiros, a gente trabalha em conjunto. Essa ação, esse corpo em que a gente trabalha é que faz tudo funcionar”, relata o sargento Nildo, ao se lembrar de um dos atendimentos que realizou.
Em 2003, um dia que parecia rotineiro, mudou a história dele como bombeiro. Mais de 15 anos após o acontecido as imagens voltam fortemente na memória e ele enche os olhos de lágrimas ao contar o episódio. Ao final da temporada de verão, no dia 19 de abril, ele terminava o expediente no posto de guarda vidas da Praia Mole, passando das 18h. Um pouco mais à frente, percebeu que havia esquecido uma bandeira hasteada e voltou até a base para guardar.
“Quando eu retornei ao posto, já sem a minha farda, veio um pedido de ajuda de uma pessoa correndo, com roupa de borracha molhada gritando: socorro, alguém me ajuda, tem bombeiro aí?”. Quando questionou o que seria, o homem insistiu que precisava ser bombeiro, já que o sargento não estava identificado.
O amigo desse homem, também surfista, estava no mar, com a prancha quebrada e sendo levado para as pedras, correndo risco de vida. O sargento Nildo, então, solicitou atendimento para a Central e deu instruções para fazer o resgate. Por conta das condições do mar, que naquele dia estava com a chamada “ressaca”, ele foi informado que as embarcações de resgate não conseguiriam chegar ao local em que estava o surfista e também por conta do tempo o helicóptero Arcanjo não conseguiria chegar para prestar socorro.
Nildo também foi informado para não entrar no mar, já que seria perigoso, que o pessoal da central verificaria o que deveria ser feito. Rapidamente, ele se equipou e foi para o costão, tentando visualizar a vítima, que já estava exausta e bastante ferida. Com o tempo passando e sem retorno concreto, verificando que muitas vezes a vítima submergia, Nildo resolveu entrar no mar. “Eu falei ao amigo da vítima: a vida do teu amigo e a minha vida estão nas tuas mãos. Avisa pra central que eu também vou pra água”, disse.
“Confia em mim, a gente vai sair daqui!” era a frase dita pelo sargento Nildo para a vítima que apresentava sinais claros de exaustão. Emocionado, ele recorda que sabia do perigo e que poderia não voltar para sua casa, para o filho, que tinha 2 anos na época. “Tudo veio na minha cabeça, mas eu enfrentei o meu desafio e fiz o que precisava ser feito”, diz.
Na água, a vítima já não respondia aos estímulos e o sargento também apresentava sinais de exaustão quando em meio à escuridão apareceram as luzes coloridas do barco de salvamento, que num primeiro momento salvou um outro surfista e se afastou dos dois que ainda estavam no mar. “Eu não desanimei em momento algum”, conta.
A Central de atendimento avisou ao solicitante que um surfista havia sido resgatado com a prancha, quando foi questionada: “Ele não estava com prancha. E o bombeiro?”. Perceberam então que havia mais duas pessoas no mar e retornaram para completar o salvamento.
O resgate, com final feliz, durou mais de cinco horas. “Eu entrei no mar por volta das 18h30min e cheguei ao solo por volta das 23h40min, firme e crente de ter cumprido o meu melhor. As minhas técnicas, a capacidade física e o treinamento ministrado pelo Corpo de Bombeiros fizeram toda a diferença naquele momento”, recorda.
Com este atendimento, o sargento Nildo foi promovido por Ato de Bravura. Na época do resgate ele era soldado e foi então promovido para cabo. Há 28 anos na corporação, ele trabalha nas guarnições de atendimento e no verão atua como Guarda Vidas Militar.
A única opção é ser forte
“Eu já chorei em ocorrência. Se tem que chorar a gente se esconde, sai da cena para não demonstrar esse sentimento que acabamos tendo, porque apesar de acompanhar muitas situações graves a gente também é humano. Enquanto somos só nós e a vítima tudo bem, mas quando chegam os parentes sofrendo pela pessoa, a gente acaba se colocando no lugar e o sentimento vem à tona. Mas enquanto estiver ali, atendendo, tu és obrigado a ser forte e aguentar”, confessa Kassandra.
“Quando vou pra uma ocorrência, é difícil dizer isso, mas eu tento ser frio, para que possa ir e ser uma solução para aquela pessoa que precisa de mim”, relata o cabo Juliano.