Emparelhadas na praia da Tainha ou no Mariscal, no mar de fora do Canto Grande, ou na enseada de Zimbros, as canoas bordadas disputam palmo a palmo de areia com as embarcações de boca larga, os botes de popa chapada, como dizem os pescadores mais antigos de Bombinhas. Naquele que é considerado o menor município catarinense, Bombinhas é, dos quatro municípios que compõem a Baía de Tijucas, aquele que reúne o maior número de canoas bordadas, as canoas de um pau só, de garapuvu, que os indígenas guarani-mbya chamavam de pirogas. O ensinamento para pesca, aliás, veio nessas embarcações, com os imigrantes açorianos e madeirenses aprendendo e desafiando o mar, para muito além das ilhas que compõem o arquipélago da Grande Florianópolis e Costa Esmeralda, em busca dos mais variados tipos de cações e raias.
Aos 66 anos de idade, rugas do tempo, rosto amorenado dos dias de sol, o corpo curvo se dá para o chumbo preso na rede de malha da mesma forma que o vento de leste ainda faz soprar no mar da Praia da Tainha. As canoas bordadas permanecem na praia. Cadê as tainhas? Pergunta uma voz rouca, assentada nas redondilhas de esses e erres sem pontos e vírgulas, do pescador aposentado Dinizarte Casimiro Silva Filho. Nascido em uma família de nove irmãos, o pai foi pescador e a mãe cuidou de todos eles. Após muitos anos de mar, a pesca para ele é coisa de domingo, como nos Açores, terra dos antepassados dele que vieram a partir de 1748. A experiência de Dinizarte, porém, é incontestável na Praia da Tainha, também em Ganchos, do outro lado baía, onde ele lembra mais de vinte nomes com quem pescou em mais de 40 anos de mar. Ele se considera um “camarada” e não patrão, termo que designa o regime dos camaradas que vigorou na região no século XX. Pescou cação? Perguntamos. Pesquei pouco! Ele responde. No que ele arremata: A pesca do cação, aqui, sempre foi a mais perigosa. Fui pra ver como era. E até hoje fico me perguntando como se pescava daquele jeito, sem qualquer proteção, sem equipamento, podendo morrer sem recurso. Mas, não se morre no mar de qualquer modo? Perguntamos. Morrer, morre. Você vai aí, milhas e milhas, três ou quatro dias de casa, e mar não é igual a terra. Mas, é preciso ter condições pra pescar. Antigamente, não tinha motor, e a gente remava muito. Hoje, temos mais recursos. Dinizarte olha o mar que se agiganta, que na Tainha encontra parte da Ilha do Arvoredo.
Projeto Informar busca interação com pescadores
Desde que as pesquisas do Projeto Informar começaram em fevereiro deste ano, os pesquisadores do Comitê de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas dos Rios Tijucas e Biguaçu, e bacias contíguas já entrevistaram mais de 75 pescadores, nos municípios de Bombinhas, Governador Celso Ramos e Tijucas. O projeto ainda alcança o município de Porto Belo que possui, pelo menos, duas importantes localidades pesqueiras: o Araçá e a Santa Luzia. Em Porto Belo as entrevistas serão retomadas na próxima semana. O projeto que tem por finalidade a sensibilização do homem do mar, além do encontro de realidades diversas, ouve o pescador que já tem voz, uma voz rouca, sufocada.
Em Ganchos, atual Governador Celso Ramos, as canoas bordadas estão desaparecendo rapidamente. Neste município, os pesquisadores encontraram relatos de uma época onde se pescou muito, e relatos que dão a tonalidade de uma nostalgia que se mistura a insatisfação de regras pesqueiras confusas, e falta de apoio ao pescador. As comunidades que cederam entrevistas foram: Canto dos Ganchos, Costeira da Armação, Fazenda da Armação, Armação da Piedade, Camboa e Palmas.
A pesca artesanal conta com um aliado quase indomável em Tijucas, o rio que atravessa e batiza a cidade. Se as águas do rio ainda são piscosas, há quem sempre se aventurou para além da temível barra desse rio. Hoje muito assoreada a barra é, inclusive, um problema para as constantes enchentes da cidade, mas há um outro quesito muito importante: a criação de peixes. Os pescadores mais idosos, alguns como mais de 90 anos, como é o caso de Teclo Mariano Rocha e Valdeci de Souza, contam que antigamente o Rio Tijucas produzia muito mais peixes e pequenos camarões, e que, nos dias de hoje, o rio está muito raso e quase não oferece resistência ao mar. “Nós sempre dependemos do rio e do mar. Toda vida. Sem rio, o mar não produz peixe. Sem mar, o rio perde seu encanto.”, conta Teclo Mariano Rocha.
Entre os pescadores aposentados ou na ativa, que concederam entrevista ao Projeto Informar, na cidade de Tijucas estão: Ademir Formento, Marcio Formento, Mario Cesar Rocha, Maruzan de Souza, Murilo Wollinger de Souza, Paulo Fortini, Ronaldo Gonçalves Rocha, Sebastião Manoel da Silva, Teclo Mariano Rocha, Valdeci de Souza, Zalmo Machado Nascimento, Almir Machado, Amilton dos Santos, Dário Luiz Rocha, Edenilson da Silva, Edevaldo Pinto de Melo, Hélio de Oliveira, Ilson José Wollinger, João Sargilo Saramento, João Augostinho de Souza Rosa e Lauro José Porcíncola.
De acordo com o engenheiro de aquicultura Tiago Manenti Martins, o Informar tem essa característica de ouvir o pescador e buscar um diálogo entre pesquisa e experiência de quem pesca. “Visitar as áreas de pesca e saber desse processo por meio de estórias e relatos muito vivas na memória do pescador, nos dá a certeza de que é preciso ainda fazer muito pela pesca em nossa região.”, afirma Tiago Manenti Martins que é técnico do Comitê Tijucas-Biguaçu.
Os pesquisadores entraram em contato com as colônias de pescadores; chefia da reserva do Arvoredo, e o laboratório de elasmobrânquios (tubarões e raias) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) , além de escritórios da Epagri. O projeto finaliza as 100 entrevistas em junho, pretendendo entregar em setembro, para cada pescador, um livro e documentário com relatos dessas vivências na Baía de Tijucas.
Ouça a Entrevista com William Wollinger Brenuvida – Jornalista e Assessor de Comunicação Social
Texto e Fotos: William Wollinger Brenuvida