Uma pobreza de dar dó. Mas estamos todos aqui

585
SHARES
3.2k
VIEWS

Os rostos da pobreza são conhecidos. Pertencemos em maior ou menor grau a ela. No linear entre o necessário para viver e falta de quase tudo. Na São João Batista dos anos 80 e 90 a comida era comprada e marcada na caderneta dos mercadinhos do bairro. Podia-se também ir ao Puel e Remael e anotar o básico, que era necessário para ter alguma coisa na mesa.

Comprar roupas? Nada de marcas e só se a do primo ou amigo não servisse. A da missa era adquirida na lojinha da Tide lá na Tajuba I, no Retalhão, Fioravante ou na Dona Wanda. E quando deixasse de usar passava adiante. Foi momento em que a expressão “trabalhar de dia para comer a noite” era retrato do dia-a-dia. E nos anos 90 com fechamento da Usati, era de criatividade que se criavam os filhos.

Papa Leão XIII escreveu que a pobreza não é um opróbrio e que não se deve corar por ter de ganhar o pão com o suor do seu rosto. “A verdadeira dignidade do homem e a sua excelência reside nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o patrimônio comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos ricos”. E éramos os pobres felizes, que usavam as cadernetinhas do comércio, reaproveitavam roupas, andavam de chinelo e nem sonhavam com prédios ou mercadões como o Koch e Macris.

E se 90% das ruas da cidade não era pavimentadas, permitiam que as crianças se sujassem de barro. Sem creches, iam para escola meio período e no outro brincavam na rua mesmo. E se sujavam. Eram as mães, tias e vizinhas que davam uma olhadinha nos filhos enquanto os pais trabalhavam. Pobreza de dinheiro que permitiu a criação de uma geração avessa ao miojo e compreendendo o valor das pessoas. Os elos se estendiam pela vizinhança. E o caderninho do mercado da dona Aurora e da Tide são os monumento a esses relacionamentos.

Diálogo que se dava na cozinha, com chão de madeira na meia água emprestada pelo tio, e que se transformava no ponto de encontro dos velhos camaradas. Chimarrão ou café com pão. Pirão, linguiça ou ovo. Leite que vinha da vaca nos fundos da casa e o pão no fogão a lenha. Sem esquecer da chimia. Andar a pé ou de monareta era tão comum quanto o ‘ooopp’ ao passar por qualquer pessoa. Geração dos pés descalços, bicho-de-pé e da família que educava. Éramos pobres de dar dó, mas estamos aqui firmes e fortes.

Moldou a personalidade e caráter de uma geração. Eram as mães correndo com chinelo nas mãos, para corrigir as ‘más-criações’. Criados na simplicidade do tempo, temos a obrigação de passar aos nossos filhos valores mais sólidos. ‘Geração Y’, Geração Miojo e Geração Floco de Neve estão sendo conduzidas em um mundo onde a facilidade é a alma das famílias. A comida é fácil, o dinheiro nasce em árvores e ‘ter’ se tornou objetivo de vida. Não lidam com frustrações e perdas.

Passa o cartão de crédito e parcela os relacionamentos. Da pobreza que somos nascidos, recebemos valores que devem ser repassados. É dar importância ao contato nos bancos da praça, nas festas de igrejas e nos ferimentos pela queda de bicicleta. É Paulo Coelho que garante que as coisas mais simples da vida são as mais extraordinárias, e só os sábios conseguem vê-las.

Nossas orelhas ficavam vermelhas de serem puxadas pelos pais, mas evitava-se que a vida fizesse esse trabalho. Os ‘carretões’ precisam voltar para as ladeiras, e as varetas desenhar uma amarelinha na areia. É fácil comprar o carrinho e boneca. Correria para o esconde-esconde e pega-pega que fortalece laços. Bolinhas de gude, empinar pipas, passar anel e brincadeiras de roda permitirão que deixemos filhos melhores por herança.

Era uma pobreza de dar dó, mas fomos ricos por essência. E estamos todos aqui. Bem aqui.

Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons. – Carlos Drummond de Andrade

 

Próxima Notícia

RECOMENDADOS

OUTRAS NOTÍCIAS

Welcome Back!

Login to your account below

Create New Account!

Fill the forms bellow to register

Retrieve your password

Please enter your username or email address to reset your password.

Add New Playlist